terça-feira, 28 de julho de 2015

A CUECA DE CAETANO

A cueca e a nudez de Caetano: ontem e hoje

MALU FONTES

Diante da velocidade com que as notícias recordes de audiência nas redes online surgem e morrem, falar da imagem de Caetano Veloso só de cuecas e meias, ao lado de Carla Perez e Xandhy, é equivalente a falar de algo que aconteceu na idade média.
O tema minimamente ainda vivo relacionado a um baiano famoso é o do rei da sofrência, Pablo, dizendo a Jô Soares que não lembrava o nome do amigo-autor do seu maior hit (Porque Homem não Chora): Roni dos Teclados.
Quanto a Caetano de cuecas, sabe-se que se um famoso posta qualquer coisa em uma rede social, aquilo se transformará em notícia e milhões de cliques. Caetano recebe Carla e Xandhy num camarim em Montreux, na Suíça, usando apenas cuecas e meias. 
Uma foto da cena, tirada e postada por Paula Lavigne, sua empresária e ex-mulher, tornou-se manchete e assunto durante dias nas timelines de Deus e do diabo. Nada mais normal. Como esperar que uma imagem dessas não enlouquecesse fãs e despertasse comentários maldosos de críticos?
De início, alimentou a onda clichê de não se poder dizer um A sobre Caetano (e Gal Costa, diga-se) sem que fãs repitam como papagaios o verso da canção Vaca Profana, criada por ele e imortalizada na voz dela. É  um tal de citar o “Derrama o leite mau na cara dos caretas” que não acaba mais.
A expressão foi usada como um  mantra à exaustão, diante das ironias sobre a foto de cuecas. Caetano pode posar de cuecas e meias e Gal pode inspirar-se na peruca de Cauby para criar o penteado. Assim como se pode fazer, sim, humor sobre as duas coisas e muitas outras, sobre outros, sem que isso divida as pessoas entre descoladas e caretas. No caso da cueca, rede social é indissociável de repercussão desmedida e não um diário íntimo violado. 
Útero da caretice
O talento, a trajetória, a carreira e a inteligência de Caetano são inquestionáveis. Mas nem por isso ele é unanimidade (vírgula) nem qualquer atitude sua será protegida pelo manto intocável da elegância estética a toda prova, tampouco blindada contra qualquer crítica ou comentário humorístico. No caso da cueca, qualquer palavra que não fosse aplauso, reverência e deslumbramento foi classificada como nascida do útero da caretice. A tese dos fãs é a de que Caetano sempre se desnudou.
É verdade, mas uma coisa é sua nudez ou sunga nos anos 70. Outra, bem diferente, é a nudez, dele ou de outro, em 2015. Em um tempo em que a ordem vigente era a da censura, da castração de toda e qualquer liberdade, um cantor popular posar de sunga numa capa de disco era equivalente a um código de conduta de protesto, um comportamento de militância contra a censura e a repressão, política, sexual e corporal. 
Hoje, nudez é outra coisa. Tão outra coisa que manter-se vestido vai se tornar revolucionário a qualquer instante. É absolutamente normal e natural Caetano posar de cuecas onde e com quem quiser, mas se essa imagem é postada por seu staff em uma rede social, mais normal ainda é imaginar que a repercussão disso será gigantesca, ironias incluídas. Exigir que o público coloque essa imagem na conta do espírito libertário e contestador do cantor, em 2015, são outros 500. E não é porque ele tem 70 anos e seu corpo envelheceu. 
O que mudou não foi o corpo de Caetano e suas peças ou partes íntimas, mas o estatuto da nudez, seja na Bahia, no Brasil, em Montreux ou na Islândia, para ir bem longe. Tirou-se tanto a roupa que hoje a cueca chama mais atenção que o corpo. E não custa avisar: a primazia do bom gosto não é dos fãs raivosos de Caetano diante da ironia e do humor feitos sobre a foto em Montreux, assim como comentá-las e repercuti-las não condena ninguém ao subsolo do inferno estético por caretice. O que sobra mesmo é o fato de que Caetano continuará lindo por tudo o que é, com roupa, sem, ou de cuecas. E viva Carla Perez, que carimbou seu passaporte para a história iconográfica da MPB.
*Malu Fontes  é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba

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