sábado, 16 de maio de 2015

21 DE MAIO DE 1975


Olho por cima de meu ombro esquerdo e vejo tudo cinza. Hotel banal com vista para um Porto da Barra deserto, chuvoso, ventoso. Ônibus imundos. Calor pegajoso. Não conheço quase ninguém. Sou um forasteiro recém chegado com sotaque português. Um gringo que só encontra gente errada. Melhor virar o rosto para o outro lado.

Por cima do ombro direito, uma nova estrada. Deixei a Europa no finzinho de minha terceira década de vida. Angustiado? Com certeza. Mas pronto para o mergulho. Abrirei a Galeria da Sereia, a primeira do Pelourinho, em pleno largo do tal. Destaque nos muitos jornais. Educadamente não me chamam de maluco.


Eugênio de Rastignac imigrante sem maldade, mas igualmente desafiador, farei minha esta cidade. De hoje em diante, viverei numa permanente corrida de obstáculos. Reaprendendo valores e comportamentos. Diferença entre moqueca e ensopado. Amigáveis toques no braço. Abraços e beijos logo de entrada, sorrisos. Inesquecível batida de pitanga da Dona Conceição. No Pelô, desconfiar dos “my friend”. Amizades verdadeiras são raras, cá como lá. Mas aos poucos vão se formando. Pontualidade desconhecida. 

Durante dois anos serei colunável. Desisto de tanta vacuidade. 

Nova galeria, 7m2 no Mercado Modelo, onde vendo Eckenberger, Bel Borba, Flávio Morais, Vauluizo Bezerra, Murilo, Faróleo, Emma Valle, Adrianne Galinari, Miguel Cordeiro. Mergulho na cultura popular. Nela me encontro. Concursos de barracas de festas de largo, de carros de cafezinho, decoração da minha rua no desfile do 2 de julho. Levo o Dendê e Dengo de Aninha Franco ao Festival de Casablanca, capoeira à Praça Djma Efna em Marrakesh, o Zambiapunga de Nilo Peçanha ao Festival dos Ritmos do Mundo de Rabat. 
Continuo a aprender, continuo a me indignar, a brigar para defender aquilo que acredito. Dom Quixote chato e ridículo, já sei. Mas, coerente comigo mesmo, não desisto. 

E em quarenta anos de teimosia, fiz minha esta terra.

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