sábado, 21 de fevereiro de 2015

HOLLYWOOD TROCA DE PELE

com Birdman e Boyhood*


Raul Moreira



A indústria cinematográfica é uma espécie de entidade que tem corpo e alma e, de tempos em tempos, é obrigada a trocar de pele e buscar novos horizontes, regra básica para manter o ímpeto e não ficar no meio do caminho. Na festa de premiação do Oscar, no domingo, dois filmes simbolizam essa necessidade de Hollywood em ir mais além, enfim, escapar do marasmo e do lugar comum das fórmulas prontas:Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) Boyhood - Da Infância à Juventude.

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Por coincidência, os dois são favoritos a arrematar as estatuetas mais importantes da Academia. Apesar das temáticas diferenciadas, Birdman e Boyhood andam de mãos dadas pelo simples fato de que, pelo insólito das propostas, são capazes de levar o espectador à ilusão de ocupar um posto de observação que raramente lhe é proposto.
Golpe baixo? Não. Vontade e necessidade de arriscar que se mostraram certeiras, ainda que tais filmes não representem um divisor de águas na esfera hollywoodiana, como o foram Cidadão Kane (1941), de Orson Wells, Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967), de Arthur Penn, e Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Aliás, explicitamente, Birdman, do mexicano de origem basca Alejandro González Iñárritu, satiriza o império do blockbuster, que começa com Tubarão e, hoje, mais do que nunca, é representado pelas franquias dos filmes de super-heróis originários dos quadrinhos.

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Fato curioso em relação à Birdman, é que o seu perfeccionismo nos fundamentos referentes ao que se chama de excelência cinematográfica, simbolizada pela sensação ilusória de um único e interminável plano-sequência, não o torna antipático, artificial, forçado. Há, sim, espaço para compreendê-lo além da simples motivação do protagonista impagavelmente vivido por Michael Keaton, um ator que tenta escapar do rótulo de eterno Homem-Pássaro e se debate consigo mesmo e com a desconfiança dos que o cercam em busca da verdadeira expressão.
Mas o grande mérito de Birdman reside justamente na sua condução em mesclar os dramas cotidianos, aqueles que nos fazem realmente humanos e que ninguém pode fugir, com a miragem da representação que ele se propõe, a qual escapa do teatro e do cinema e toma de assalto à chamada vida real: no fundo, o filme de Iñárritu nos aponta que não há mais barreiras, que tudo se tornou uma coisa só, uma ditadura da virtualidade que gera o viral, aquilo que realmente importa nos dias de hoje.
O curioso é que Boyhood de certa forma dialoga com Birdman. Isso porque, ao explorar o cotidiano de uma família de classe média ao longo de 12 anos, com suas reais transformações físicas e psicológicas, o cineasta e escritor Richard Linklater apresenta um extraordinário mosaico da sociedade americana a partir de certo extrato social e de como ele navega ao sabor dos tempos, de uma forma jamais vista na história do cinema.
Daí, o favoritismo de Boyhood em relação ao concorrente Birdman, como se viu na premiação do Globo de Ouro, recentemente, quando ganhou os troféus de melhor filme (drama) e direção.  Ainda que, enquanto matéria cinematográfica, Birdmannos leve a um lugar mais próximo daquilo que convencionalmente se espera de uma obra, principalmente em termos de impacto e emoção.
No entanto, é impossível não deixar de reconhecer que Boyhood, por conta da entrega dos atores, da beleza da sua fotografia naturalista e da montagem primorosa, acabou por subverter tal lógica e, certamente se faz algo de único, pois, é difícil imaginar que venha a se realizar experimento parecido com tamanha maestria.
Visto e revisto, é como se Boyhood fosse uma espécie de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Prost, uma vez que, como nos volumes da obra do escritor francês, Linklater vai à cata da substância do tempo, da subtração de uma lei maior que possa explicar as transformações dos indivíduos e do mundo.
Independentemente do resultado de domingo, que pode ser cruel com um dos filmes, os milhares de membros da Academia, com formações e inclinações as mais diversas, certamente perderam (ou ganharam) muito tempo para refletir quem se fez melhor.  Seja como for, pontos para a indústria hollywoodiana, que apesar de envelhecida e, muitas vezes, passando a impressão de que se esgotou em si, encontrou fôlego para surpreender e, ironia da sorte, revelou através de Birdman eBoyhood, um mundo cada vez mais igual. 

Publicado no Caderno 2 de A Tarde

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