segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

COMPOSIÇÃO E CORPO

                                                                         A Música é Uma Placenta Cósmica 


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Sonhei com teu corpo. Sonhei em teu corpo. Sonhei que em teu corpo vivia. E era um corpo feito de tempo, espaços de tempo por entre os quais me movia.
O som era pretexto, apenas um marcador para a experiência mais profunda, a experiência de existir. Existir como música, o que é?
De todas as existências que existem — , pedra, sapo, estrela ou arrepio — talvez a mais sincera em sua fluidez. A cândida esperança humana de dar sentido às coisas encontra um desafio à sua altura, o coisa-fluir.
Se a música parasse o mundo se moveria? É desse fluxo da música que vem uma certa garantia para a imobilidade da pedra? Do ser?
Construo teu corpo, meu corpo de fantasia, a partir da esperança dessa fluidificação do universo. Lugar onde me movo sem massa.
A partir da esperança de fluidificação da própria obrigação de fazer sentido. A música é objeto transicional, que existe e não existe no lusco fusco da (in)consciência.
Está lá fora, está aqui dentro. Dentro de onde: da alma ou da nobre tripa cerebral?
Quando te ouço recomponho o que fui e o que ouvi desde o berço, e busco projetar uma forma no espaço da fantasia — teu corpo, minha forma.
A música não é apenas o peito da mãe com seu cheiro de leite abstrato (frase que faz meus alunos rirem como se nunca tivessem mamado na vida), é também o peito do pai? Tem herói, destino e responsabilidade social. Um peito transicional que me acolhe e fascina em sua estranha familiaridade?
O peito de Ligeti em Lontano. Que invade e trans-forma os tantos séculos de hegemonia germânica. O peito imaginário de João Gilberto. Que espécie de consolo inconsolável deseja João? O peito rabugento e pueril de Smetak e seus instrumentos de ancestralidade inventada. A música dos pigmeus, tão sofisticada e pulsante…
A força de ser não sendo, de não ser sendo, de fluir e de envolver o universo em uma mandala cósmica, capaz de tudo ouvir e tudo silenciar.

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