terça-feira, 26 de agosto de 2014

SONETOS PAVÔNICOS

PAVÕES DE BELEZA ÚNICA

A propósito do vídeo de um mágico pavão branco aqui postado por Sérgio Gomes, ao compartilhá-lo encantado com a novidade, referi-me aos “sonetos pavônicos” do grande poeta baiano de Belmonte, Sosígenes Costa (1901-1968), observando não haver entre os tantos pavões de seus poemas um só dessa cor e, então, resolvi postar quatro obras-primas desta sua vertente poética, em que exalta essas aves edênicas, com tal sofisticação em nível cromático e dimensão lírica, que, a meu ver, ninguémfoi capaz de alcançar em toda a poesia brasileira. Pura arte literária. Benza Deus...Vão abaixo para fruir e repassar a outros também dignos de tão alto usufruto sensível,além de arquivar.




QUATRO SONETOS PAVÔNICOS DE SOSÍGENES COSTA

TORNOU-ME O PÔR-DO-SOL UM NOBRE ENTRE OS RAPAZES

Queima sândalo e incenso o poente amarelo,
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.

Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.

Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa, os únicos do mundo.

E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr-do-sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.

O PRIMEIRO SONETO PAVÔNICO

Foge a tarde entre o bando de gazelas.
A noite agora vem do precipício.
Sóis poentes, douradas aquarelas!
Mirabolantes fogos de artifício!

Maravilhado assisto das janelas.
Os coqueiros, pavões de um rei fictício,
abremas caudas verdes e amarelas,
ante da tarde o rútilo suplício.

Cai uma chuva de oiro sobre os cravos.
O grifo sai do mar com a lua cheia
e as pombas choram pelos pombos bravos.

Um suspiro de amor do peito arranco.
A luz desmaia. E o céu todo se arreia
Em vez de estrela de narciso branco.
                                               (1923)

SONETO AO ANJO

Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios,
quando o poente cor-de-rosa e doce
punha pavões nos capitéis assírios.

Teu beijo como um pássaro me trouxe
o mais azul de todos os delírios.
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios.

Só tu agora colhes azaleia
e os cintilantes cachos da azureia,
mágica flor que em meu jardim nasceu.

Só tu verás os lírios cor da aurora.
Meu pavão dormirá contigo agora
e o meu jardim dourado agora é teu.
                                               (1930)


PAVÃO VERMELHO


Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.

(1937-1959)


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