sábado, 23 de agosto de 2014

O AMIGO CIRCUNSTANCIAL


Não me lembro como tinha começado esta amizade.  Alto, louro e pesado, muito se preocupava com o vestir. Talvez por deformação profissional. Arquiteto de interior. Era do tipo camaleão. De dandy oxfordiano a la Graham Greene, passava em duas semanas e sem o mínimo constrangimento, a calças boca-de-sino e túnicas “Love´n Peace”  surrupiadas do “Hair”. 
Como a metade dos belgas de bon standing chamava-se Baudoin (a outra metade, Leopold). Era só alegria. Me telefonava de Londres ou Milão “Tou chegando amanhã. Tem cama para mim?” 
Minha casa de Cascais tinha sempre um quarto disponível.
De Bruxelas, trazia chocolate Côte d´Or. De Paris, um barômetro-torre Eiffel “Tão kitsch, não resisti!” ou alguma reprodução de Miró “Para a cozinha”. De Tanger, meio quilo de cuscuz ou alguma especiaria. Tudo comprado no aeroporto antes de embarcar. 
Dava grandes beijos à preciosa Marcelina, cozinheira ímpar. Contava mil aventuras. Risadas sonoras. Me levava para almoçar numa simpática tasca perto de casa.  De conversa leve e bem informada, sua roda de conhecidos crescia a cada semana.
 Tinha clientes importantes, especialmente em quintas dos arredores de Sintra. Ousei pedir-lhe para me levar a uma delas, conhecida por seu luxo, desconversou.
Mas o mundo não é assim de pequeno? Um belo dia alguém – tem sempre um alguém para ver a nudez do rei – me telefonou para contar que durante almoço em Monte-Estoril, a esposa do anfitrião falara cobras e lagartos a meu respeito. E o Baudoin... nada. Nem a mínima tentativa de me defender do veneno alheio. 
Ousei cobrar a falta de postura. Desconversou “Havia muito barulho na sala, não ouvi...”
Como tenho o culto da amizade, mas pavio curto, encerrei o capítulo Baudoin. Hotéis não faltam pela cidade. 
Uma amiga comum teve a palavra final: “Mas, Dimitri, o Baudoin só tem amigos circunstanciais!”.
E o belga, muitos beijos à preciosa Marcelina, mas de gorjeta, nada.


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