terça-feira, 23 de abril de 2013

JOSÉ AMÉRICO NA GUINÉ EQUATORIAL


Lendo o noticiário à propósito da viagem da
 presidenta Dilma a mais uma
 dessas cúpulas onde se
 copula politicamente muitas ideias mas não se
 fecunda nada, relembrei das minhas aventuras como
 membro de uma precursora e bem eclética equipe de
 marketing político pela África no início dos anos 90,
 liderada por Geraldo Walter de Souza Filho, o 
saudoso Geraldão, com as presenças ilustres de
 Ricardo Noblat, Fernando Barros, Ana Maria e os não
 menos ilustres Maurício Rossi, Hamilton Oliveira,
 Nestor Amazonas e muitos outros. Fizemos um 
trabalho muito rico em experiências com o MPLA em 
Angola que - não por culpa nem por puro mérito
 nosso - ainda se perpetua no poder desde dos anos
 70, sempre com a ajudinha de brasileiros.

Photo: Dilma na Guiné Equatorial e eu quando fui preso e deportado...

Lendo o noticiário à propósito da viagem da presidenta Dilma a mais uma dessas cúpulas onde se copula politicamente muitas ideias mas não se fecunda nada, relembrei das minhas aventuras como membro de uma precursora e bem eclética equipe de marketing político pela África no início dos anos 90, liderada por Geraldo Walter de Souza Filho, o saudoso Geraldão, com as presenças ilustres de Ricardo Noblat, Fernando Barros, Ana Maria e os não menos ilustres Maurício Rossi, Hamilton Oliveira, Nestor Amazonas e muitos outros. Fizemos um trabalho muito rico em experiências com o MPLA em Angola que - não por culpa nem por puro mérito nosso - ainda se perpetua no poder desde dos anos 70, sempre com a ajudinha de brasileiros.

Mas o caso que vou relembrar se refere a uma viagem para a Guiné, onde se dizia que o ditador de então e ainda hoje mandatário supremo do país, pretendia fazer uma abertura política. Havia um partido oposicionista exilado em quase sua totalidade na Europa há longos 14 anos, depois do sanguinário golpe perpetrado por este que até hoje esta no poder. Ele simplesmente havia matado o tio que era o presidente e mais quatro mil opositores ao passar de uma semana no poder. 

Ricardo e Geraldão foram convencidos que lá teríamos uma outra campanha política, desta feita levando à disputa um partido oposicionista ao poder. "Com o povo, pelo povo e para o povo", já seria copiado por nós nessa época.

Pois então formou-se uma equipe composta por quatro bravos guerreiros do marketing que na companhia do líder oposicionista, na época exilado em Madrid, chegariam na capital Malabo, para documentar o início das negociações entre oposição e governo para a tão sonhada abertura política. 

O plano era chegar em Douala na República dos Camarões, pegar os vistos na embaixada da Guiné, seguir para São Tomé e Príncipe, onde Miguel Trovoada, presidente, receberia e apoiaria como intermediário o nosso cliente e de lá partiríamos para o ilhéu capital Malabo, 300 quilômetros do continente. Como todos podem observar, uma capital geograficamente confortável para qualquer ditador - imagina Brasília nessa situação.

Lá fomos nós, saindo de São Paulo no dia oito de Dezembro de 1993.

Eu, Ruy Rodrigues, Popy Ribeiro, e um outro sujeito que não me recordo o nome dele agora. Acho que esse branco com relação ao companheiro que esqueci o nome não é por acaso e vocês vão perceber o porquê mais na frente.

Desembarcamos em Zurique na Suíça, de lá seguimos para Douala cruzando o deserto do Saara numa classe executiva tomando champanha e comendo canapés da Swissair. Uma maravilha! Lá em baixo e bem pequenininho, víamos as torres de exploração de petróleo no maior deserto do mundo e cá as branquelas nos servindo no maior conforto possível.

Chegamos em Douala. Uma cidade onde se via a destruição das florestas africanas sendo transportadas pelas centenas de carretas que circulavam pelas ruas da cidade dividida por etnias e gangues fomentadas desde a sua ocupação por ingleses e franceses. Por sinal um aspecto bastante peculiar eram os bairros divididos até mesmo pela língua. haviam uns em que se falava francês e outros em que se falava inglês. Até a propaganda de out door era - a mesma - em uma língua e em outra. Na época lá também estava acontecendo uma campanha política e o cartaz de um dos candidatos ostentava um bem produzida foto dele ao lado de um imponente e ameaçador leão, apoiado num criativo e não menos ostensivo slogan: Homem coragem, homem presidente! 

Conseguimos os vistos como já havia sido planejado. Em Douala encontraríamos com o nosso cliente que a partir dali seguiriam conosco até o glorioso dia do retorno à pátria amada.

Hospedados no hotel Meridien, passávamos o tempo na piscina bebendo lá pressione - grandes canecas de chopp - enquanto Ruy não se cansava de medir a temperatura local dentro e fora da piscina com um moderno relógio que havia adquirido na Suíça e que contava com esse indispensável(?) serviço meteorológico.

Vistos em Mãos partimos para São Tomé. Oh vidão! Hotel Tivoli, praias maravilhosa e uma interminável espera pela recepção - encontro oficial - do presidente Miguel Trovoada. Comendo, bebendo e dormindo. Foi lá que apreciei pela primeira vez os saborosos bifes de tartaruga e carne de macaco oferecidos em pequenos restaurantes do povo local. No hotel nem pensar nessas iguarias.

Amanhecia e anoitecia e nem sinal de Trovoadas. O tempo firme e céu límpido fazia soprar sobre as nossas mentes uma certa incerteza de que começava a ficar difícil chover em nossa horta. Quero dizer o seguinte: como haviam sucessivos adiamentos do encontro entre nosso cliente e o nosso principal interlocutor político, tudo levava a crer que algo não estava dando certo.

Ai chega a hora de contar um fato curioso. Depois de uma semana na bela ilha de São Tomé, o candidato nos chama e diz que teríamos de ir ao Gabão encontrar com outra figura de pouca conversa mas de muita ação. O ditador Omar Bongô nos aguardava para uma reunião. Mus aguardava assim como, cara pálida? Ele só iria se fosse acompanha por nossa equipe. Daria um certo status e também garantiria sua integridade física. Como assim sua integridade física? estávamos correndo algum perigo de vida?

Foi ai que nosso bravo companheiro que até agora não lembro a alcunha, amarelou e pediu pra ir embora, abandonando de vez a nossa briosa expedição.

E lá fomos nós para o Gabão. Chegamos e fomos recebidos em almoço pelo presidente no palácio de governo numa pompa só. Depois do lauto banquete o nosso cliente foi ao tete-à-tete com famoso ditador que usava botas com salto falso tentando esconder sua baixa estatura física e, também, moral.

Ao pedirmos as contas no hotel fui surpreendido por uma chamada à suite do nosso cliente - ele só se hospedava em suíte, dava status. Foi ai que as coisas começaram a ficar mais turvas. O nosso querido cliente me chamou ao canto da sala de estar da suíte e quase cochichando - talvez para a esposa não escutar e se matar - me pediu 100 dólares. Quase cai para traz...

Quando de volta ao encontro dos companheiros, relatei o ocorrido e ouvi um sonoro: fudeeeeeeeu!

Voltamos para São Tomé com o moral baixo. E bote baixo nisso!
Ligamos para o Brasil e os caras - Ricardo e Geraldo - deram um bando de gargalhadas e tentaram nos tranquilizar dizendo que os problemas financeiros dele não eram nossos e que isso poderia ser algo como ter esquecido de levar os dólares dele para a furtiva viagem ao Gabão.

O Natal se aproximava e o dia do desembarque em Malabo se revestia de expectativas.  A essa altura queríamos entregar o mandú e voltar para o nosso doce lar no Brasil. 
Até porque, como se diz lá no Recôncavo da minha Bahia, tudo indicava que "aquele angu tinha caroço".

Comendo e bebendo dia e noite num hotel cinco estrelas num paradisíaco arquipélago, eu engordava que nem uma porca. Era pão, vinho, peixe e muito bacalhau. Foi ai que dei de cara com uma dúvida que me perturba até hoje: bacalhau é peixe? 

Vésperas do Natal e nosso cliente nos chama e sentencia: depois de amanhã rumamos para Malabo. mesmo sem as bênçãos de Miguel Trovoada, que até aquele momento não tinha dado as caras com a gente, estava tudo certo e tranquilo para aterrissarmos na famigerada capital da Guiné.

Só que teríamos de alugar um avião para o translado pois sem o apoio logístico prometido por Trovoada, se não fosse de avião fretado, só de saveiro navegando por uns sete longos dias. 

Conseguimos um bimotor pertencente a um mercenário libanês e por três mil dólares ele levava a trazia a trupe. Tudo acertados, partimos no início da tarde do dia 22 de dezembro. 

Notei que dentro do avião o nosso cliente suava um pouco fora do normal, até porque dentro da aeronave estava até fazendo frio. Mas... vamos em frente.

Depois de quase 90 minutos de voo o piloto num português sofrível relata que estava sendo observado por dois caças. Logo em seguida começa um diálogo pouco amisto e muito objetivo que, mesmo entre ruídos da comunicação via rádio, conseguimos ouvir um sonoro "go back!". Em seguida e sem pestanejar o nosso brava mercenário fez o que no surf se chama de manobra radical e em segundos a proa deu lugar a popa e já navegávamos de volta ao arquipélago do escroto do Trovoada.

Um silêncio ensurdecedor tomou conta de todos dentro da minúscula aeronave e depois que alguém peidou, respiramos profundamente e quase que em uníssono perguntamos: o que foi que aconteceu?

O libanês que mais parecia um Nacib corneado, gaguejando respondeu que eles - os amigos dos caças - mandaram voltar dali mesmo senão derrubariam nossa aeronave libertária.

Mais gaguejando que nosso colega baiano Gaguinho Fotógrafo, nosso cliente tentava esboçar uma explicação para o ocorrido e esbravejava um "isso não vai ficar assim".

Pousamos na nossa segura ilha decididos a abandonar tudo e tentar retornar depois do réveillon de 1994.
Nossos chefes Geraldão e Noblat nos "convenceram" a passar o Natal por lá, nos garantindo que contatos da Europa teriam assegurado que tudo não passava de ruído na comunicação - eles gostavam muito dessa expressão - e que logo após o "nascimento do menino Jesus" nos seríamos recebidos com festa em Malabo, onde a promissora oposição estava com tudo organizado para a uma grande recepção.

Neste Natal de 1993 acredito que ganhei uns cinco quilos de gordura adiposa com tantas guloseimas numa ceia maravilhosa feita apenas para nós, os únicos hospedes do hotel a ficarem para passar o Natal por lá. Naquela época não se fazia muito turismo por aquelas bandas como hoje.

Dia 28 chegou com a certeza de que a nossa expedição seria coroada de glórias. E fomos nós mais uma vez com o mercenário libanês voando rumo a Malabo no final da tarde. O horário havia sido determinado pelo cliente depois de falar com correligionários e acertar os pormenores da chagada, com carreata e comício na praça da capital numa noite que anunciaria o alvorecer de uma nova era para o povo da Guiné.

A viagem foi tranquila, os caças não nos afugentaram e pousamos como previsto no inicio da noite. Ao nos aproximarmos do hangar de desembarque achei meio estranho que as milhares de pessoas previstas na calorosa a garantida na recepção não podiam ser vistas mirante do aeroporto. E fui ficando um pouco apreensivo quando percebi um pelotão bem armado do exército com cara de poucos amigos a nos aguardar na pista.
 Um silêncio mais ensurdecedor ainda que o da primeira viagem assolou o interior do nosso bimotor.

Paramos e antes mesmo que o avião desligasse de vez os motores, alguém abriu a porta aeronave e entre olhares fui escolhido para ser o primeiro a pisar em solo ilhéu. 

Fui também o primeiro a apresentar o passaporte e ser preso imediatamente. tentei argumentar que tinha um visto devidamente oficializado pela embaixada em Douala e um calango de patente pediu que eu localizasse o tal visto no passaporte e o apresentasse. Logo que o mostrei ele sacou um lápis e escreveu sem titubear: cancelado com exclamação no final. Assim foi comigo e com todos os outros da equipe. Nosso cliente Dom Carmello foi se afastando de nós sob escolta e depois de algumas horas detidos e sem saber o que poderia acontecer, recebemos um ordem imediata de embarque e assim  fomos expulsos da hoje promissora república petrolífera africana, onde nossa chefe de Estado se encontra para discutir investimento sob o manto de mais uma ditadura sanguinária de mais de 30 anos. Mas esse negócio de ditadura nunca incomodou o atual partido que governa o Brasil há 10 anos. Até porque ditadura no país dos outros é refresco.

Ah, antes que se fechasse as portas da aeronave eu tive a pachorra de gritar: Adios Dom Carmello, adios!!!

PS. Inicialmente detido, nosso bravo opositor de esquerda logo virou um destacado executivo da empresa petrolífera do regime ditador e, pelo que se vê hoje nas noticias sobre essa cúpula, deu certa e prospero. E a tal democracia que ele representava como baluarte da esperança do seu povo sofrido ficou para depois. Bem depois!


Mas o caso que vou relembrar se refere a uma viagem
 para a Guiné, onde se
 dizia que o ditador de então e
 ainda hoje mandatário supremo do país, 
pretendia fazer uma abertura política. Havia um
 partido oposicionista exilado em quase sua
 totalidade na Europa há longos 14 anos, depois do
golpe perpetrado por este que até hoje esta no poder.
 Ele simplesmente havia
 matado o tio que era o
 presidente e mais quatro mil opositores ao passar de
 uma semana no poder.

Ricardo e Geraldão foram convencidos que lá
 teríamos uma outra campanha
 política, desta feita
 levando à disputa um partido oposicionista ao poder.


 "Com o povo, pelo povo e para o povo", já seria 

copiado por nós nessa época
.
Pois então formou-se uma equipe composta por 
quatro bravos guerreiros do 
marketing que na 
companhia do líder oposicionista, na época exilado 
em Madrid, chegariam na capital Malabo, para 
negociações entre oposição e governo para a tão 
sonhada abertura política. 

O plano era chegar em Douala na República dos
 Camarões, pegar os vistos na 
embaixada da Guiné,
 seguir para São Tomé e Príncipe, onde Miguel
 Trovoada, presidente, receberia e apoiaria como
 intermediário o nosso cliente e de lá partiríamos para
 o ilhéu capital Malabo, 300 quilômetros do
 continente. Como todos podem observar, uma
 capital geograficamente confortável para qualquer 
ditador - imagina Brasília nessa situação.


Lá fomos nós, saindo de São Paulo no dia oito de
 Dezembro de 1993. 
Eu, Ruy Rodrigues, Popy Ribeiro,
 e um outro sujeito que não me recordo o 
nome dele
 agora. Acho que esse branco com relação ao
 companheiro que 
esqueci o nome não é por acaso e
 vocês vão perceber o porquê mais na 
frente.


Desembarcamos em Zurique na Suíça, de lá seguimos
 para Douala cruzando o
 deserto do Saara numa 
classe executiva tomando champanha e comendo
 canapés da Swissair. Uma maravilha! Lá em baixo e
 bem pequenininho,
 víamos as torres de exploração
 de petróleo no maior deserto do mundo e cá as
 branquelas nos servindo no maior conforto possível.

Chegamos em Douala. Uma cidade onde se via a
 destruição das florestas
 africanas sendo
 transportadas pelas centenas de carretas que 
circulavam pelas ruas da cidade dividida por etnias e 
gangues fomentadas desde a sua ocupação por 
ingleses e franceses. Por sinal um aspecto bastante
 peculiar eram os bairros divididos até mesmo pela
 língua. haviam uns em que se falava francês e outros 
em que se falava inglês. Até a propaganda de out
 door era - a mesma - em uma língua e em outra. Na
 época lá também estava acontecendo uma 
campanha política e o cartaz de um dos candida
tos ostentava um bem produzida foto dele ao lado de 
um imponente e
 ameaçador leão, apoiado num
 criativo e não menos ostensivo slogan: Homem
 coragem, homem presidente!

Conseguimos os vistos como já havia sido planejado. 
Em Douala 
encontraríamos com o nosso cliente que a
 partir dali seguiriam conosco até o glorioso dia do 
retorno à pátria amada.


Hospedados no hotel Meridien, passávamos o tempo 
na piscina bebendo lá 
pressione - grandes canecas de 
chopp - enquanto Ruy não se cansava de medir
 a temperatura local dentro e fora da piscina com um 
moderno relógio que
 havia adquirido na Suíça e que 
contava com esse indispensável(?) serviço 
meteorológico.

Vistos em Mãos partimos para São Tomé. Oh vidão! 
Hotel Tivoli, praias
 maravilhosa e uma interminável 
espera pela recepção - encontro oficial - do
 presidente Miguel Trovoada. Comendo, bebendo e 
dormindo. Foi lá que
 apreciei pela primeira vez os 
saborosos bifes de tartaruga e carne de macaco
 oferecidos em pequenos restaurantes do povo local. No hotel nem pensar 
nessas iguarias.

Amanhecia e anoitecia e nem sinal de Trovoadas. O 
tempo firme e céu límpido
 fazia soprar sobre as 
nossas mentes uma certa incerteza de que começava 
a ficar difícil chover em nossa horta. Quero dizer o 
seguinte: como haviam sucessivos adiamentos do 
encontro entre nosso cliente e o nosso principal
 interlocutor político, tudo levava a crer que algo não estava dando certo.

Ai chega a hora de contar um fato curioso. Depois de 
uma semana na bela ilha
 de São Tomé, o candidato 
nos chama e diz que teríamos de ir ao Gabão 
encontrar com outra figura de pouca conversa mas de
 muita ação. O ditador 
Omar Bongô nos aguardava 
para uma reunião. Mus aguardava assim como,
 cara pálida? Ele só iria se fosse acompanha por nossa
 equipe. Daria um certo
 status e também garantiria 
sua integridade física. Como assim suaintegridade 
física? estávamos correndo algum perigo de vida?

Foi ai que nosso bravo companheiro que até agora 
não lembro a alcunha,
 amarelou e pediu pra ir 
embora, abandonando de vez a nossa briosa 
expedição.

E lá fomos nós para o Gabão. Chegamos e fomos 
recebidos em almoço pelo 
presidente no palácio de 
governo numa pompa só. Depois do lauto banquete o 
nosso cliente foi ao tete-à-tete com famoso ditador 
que usava botas com salto
 falso tentando esconder 
sua baixa estatura física e, também, moral.

Ao pedirmos as contas no hotel fui surpreendido por 
uma chamada à suite do
 nosso cliente - ele só se 
hospedava em suíte, dava status. Foi ai que as coisas
 começaram a ficar mais turvas. O nosso querido 
cliente me chamou ao canto
 da sala de estar da suíte 
e quase cochichando - talvez para a esposa não
 escutar e se matar - me pediu 100 dólares. Quase cai 
para traz..
.

Quando de volta ao encontro dos companheiros, 
relatei o ocorrido e ouvi um
 sonoro: fudeeeeeeeu!

Voltamos para São Tomé com o moral baixo. E bote 
baixo nisso!

Ligamos para o Brasil e os caras - Ricardo e Geraldo - 
deram um bando de
 gargalhadas e tentaram nos 
tranquilizar dizendo que os problemas financeiros 
dele não eram nossos e que isso poderia ser algo 
como ter esquecido de levar os dólares dele para 
a furtiva viagem ao Gabão.

O Natal se aproximava e o dia do desembarque em
 Malabo se revestia de
 expectativas. A essa altura
 queríamos entregar o mandú e voltar para o nosso
 doce lar no Brasil. 

Até porque, como se diz lá no Recôncavo da minha
 Bahia, tudo indicava que 
"aquele angu tinha caroço".

Comendo e bebendo dia e noite num hotel cinco 
estrelas num paradisíaco
 arquipélago, eu engordava 
que nem uma porca. Era pão, vinho, peixe e muito
 bacalhau. Foi ai que dei de cara com uma dúvida que 
me perturba até hoje: 
bacalhau é peixe? 

Vésperas do Natal e nosso cliente nos chama e 
sentencia: depois de amanhã
 rumamos para Malabo. 
mesmo sem as bênçãos de Miguel Trovoada, que até 
aquele momento não tinha dado as caras com a 
gente, estava tudo certo e 
tranquilo para 
aterrissarmos na famigerada capital da Guiné.

Só que teríamos de alugar um avião para o translado 
pois sem o apoio
 logístico prometido por Trovoada, 
se não fosse de avião fretado, só de saveiro
 navegando por uns sete longos dias.

Conseguimos um bimotor pertencente a um 
mercenário libanês e por três mil 
dólares ele levava a 
trazia a trupe. Tudo acertados, partimos no início da
tarde do dia 22 de dezembro.

Notei que dentro do avião o nosso cliente suava um 
pouco fora do normal, até 
porque dentro da aeronave 
estava até fazendo frio. Mas... vamos em frente.


Depois de quase 90 minutos de voo o piloto num 
português sofrível relata que
 estava sendo observado
 por dois caças. Logo em seguida começa um diálogo 
pouco amisto e muito objetivo que, mesmo entre 
ruídos da comunicação via
 rádio, conseguimos ouvir 
um sonoro "go back!". Em seguida e sem pestanejar
 o nosso brava mercenário fez o que no surf se chama 
de manobra radical e em
 segundos a proa deu lugar a 
popa e já navegávamos de volta ao arquipélago
 do escroto do Trovoada.

Um silêncio ensurdecedor tomou conta de todos
 dentro da minúscula aeronave
 e depois que alguém 
peidou, respiramos profundamente e quase que em
 uníssono perguntamos: o que foi que aconteceu?

O libanês que mais parecia um Nacib corneado, 
gaguejando respondeu que
 eles - os amigos dos 
caças - mandaram voltar dali mesmo senão 
derrubariam nossa aeronave libertária.

Mais gaguejando que nosso colega baiano Gaguinho 
Fotógrafo, nosso cliente 
tentava esboçar uma 
explicação para o ocorrido e esbravejava um "isso 
não vai ficar assim".

Pousamos na nossa segura ilha decididos a 
abandonar tudo e tentar retornar 
depois do réveillon
 de 1994.

Nossos chefes Geraldão e Noblat nos "convenceram" 
a passar o Natal por lá, 
nos garantindo que contatos 
da Europa teriam assegurado que tudo não passava 
de ruído na comunicação - eles gostavam muito 
dessa expressão - e que logo após o "nascimento do 
menino Jesus" nos seríamos recebidos com festa em 
Malabo, onde a promissora oposição estava com tudo 
organizado para a uma grande recepção.

Neste Natal de 1993 acredito que ganhei uns cinco 
quilos de gordura adiposa 
com tantas guloseimas 
numa ceia maravilhosa feita apenas para nós, os 
únicos hospedes do hotel a ficarem para passar o 
Natal por lá. Naquela época não se fazia muito 
turismo por aquelas bandas como hoje.

Dia 28 chegou com a certeza de que a nossa 
expedição seria coroada de 
glórias. E fomos nós mais 
uma vez com o mercenário libanês voando rumo a
 Malabo no final da tarde. O horário havia sido
 determinado pelo cliente
 depois de falar com
 correligionários e acertar os pormenores da chagada,
 com carreata e comício na praça da capital numa
 noite que anunciaria o alvorecer de uma nova era 
para o povo da Guiné.

A viagem foi tranquila, os caças não nos afugentaram
 e pousamos como 
previsto no inicio da noite. Ao nos
 aproximarmos do hangar de desembarque achei 
meio estranho que as milhares de pessoas previstas
 na calorosa a garantida na recepção não podiam ser 
vistas mirante do aeroporto. E fui 
ficando um pouco apreensivo quando percebi um
 pelotão bem armado do exército com cara de poucos
 amigos a nos aguardar na pista.

Um silêncio mais ensurdecedor ainda que o da
 primeira viagem assolou o 
interior do nosso bimotor.

Paramos e antes mesmo que o avião desligasse de 
vez os motores, alguém 
abriu a porta aeronave e
 entre olhares fui escolhido para ser o primeiro a
 pisar em solo ilhéu.

Fui também o primeiro a apresentar o passaporte e 
ser preso imediatamente. 
tentei argumentar que 
tinha um visto devidamente oficializado pela
 embaixada em Douala e um calango de patente 
pediu que eu localizasse o tal
 visto no passaporte e o
 apresentasse. Logo que o mostrei ele sacou um lápis 
e escreveu sem titubear: cancelado com exclamação
 no final. Assim foi comigo e com todos os outros da 
equipe. Nosso cliente Dom Carmello foi se afastando
 de nós sob escolta e depois de algumas horas detidos 
e sem saber o que
 poderia acontecer, recebemos um 
ordem imediata de embarque e assim fomos 
expulsosda hoje promissora república petrolífera 
africana, onde nossa chefe de Estado se encontra
 para discutir investimento sob o manto de mais
 uma ditadura sanguinária de mais de 30 anos. Mas
 esse negócio de ditadura
 nunca incomodou o atual 
partido que governa o Brasil há 10 anos. Até porque 
ditadura no país dos outros é refresco.

Ah, antes que se fechasse as portas da aeronave eu
 tive a pachorra de gritar:
Adios Dom Carmello, adios!!!

PS. Inicialmente detido, nosso bravo opositor de 
esquerda logo virou um
 destacado executivo da
 empresa petrolífera do regime ditador e, pelo que se
 vê hoje nas noticias sobre essa cúpula, deu certa e
 prospero. E a tal
 democracia que ele representava 
como baluarte da esperança do seu povo sofrido ficou
 para depois. Bem depois!

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