terça-feira, 6 de novembro de 2012

VALE A PENA INVESTIR NO CENTRO HISTÓRICO?


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Ele tocou a  campainha de minha casa, num fim de tarde. Precisava desabafar. Hoje, dia feriado, o conjunto de salas de cinema do Glauber Rocha tinha recebido 18 espectadores até as 17h, 
Quando o trânsito foi finalmente liberado, o público chegou a 870. Mas o normal, em dia feriado, seria de 1500.
Não chovia, a polícia não estava em greve, nem os rodoviários ou os taxistas.
Quem abocanhava o espaço? A Globo filmando mais uma obra-prima!
Cláudio Marques, informado por acaso das filmagens duas semanas atrás, foi falar com o pessoal da produção. Prometeram reavaliar a situação. Não fechariam jamais o trânsito completamente. Não filmariam por tantos dias.
Na véspera das filmagens, mandaram o cronograma. Seriam cinco dias, no total. Sempre nos fins de semana e feriados.

                           

Trânsito totalmente interditado durante as horas de filmagem. Ladeira de São Bento, Rua Carlos Gomes, Rua Rui Barbosa, Rua Chile – desde o palácio Rio Branco - ladeira da Montanha, tudo fechado, mesmo à hora do almoço, quando atores e técnicos iriam restaurar as energias.

Cláudio Marques estava com lágrimas nos olhos. “Quando pedi a uma moça da produção para, pelo menos, deixar entrar os carros para o estacionamento, ela, cínica, debochou: “O mais conveniente seria deixar eles no quartel dos Bombeiros e subir a pé, até é bom para a saúde”.

No entanto, a administração do GR tem que pagar funcionários, aluguel, água, energia e impostos. Será que a Globo vai indenizar o prejuízo?

Perguntei, na minha costumeira ingenuidade: o Espaço Unibanco não fora avisado?
Avisado? Pra quê? Eles chegam, instalam o circo e, durante cinco fins de semana, a praça não será mais do povo. Se é que ela foi algum dia. Durante cinco fins de semana, o cinema estará ocioso, como a farmácia homeopática, os antiquários, dois hotéis tradicionais, brechós e sebos, restaurantes, bares e o resto do comércio. Ninguém ganhará bulufa para a Globo realizar seus medíocres filminhos e aumentar o pé de meia.

                              

Quem é responsável pelas autorizações do uso de espaços públicos no centro histórico? A Prefeitura? O Iphan? Cada um vai empurrando com a barriga. O Cláudio, cansado por sofrer o prejuízo dos 33 eventos religiosos ou políticos somente esse ano, foi bater à porta da Sesp. Resposta: “Eu não posso enfrentar os evangélicos. Se o Iphan não autorizar, eu mando suspender.” Cláudio foi bater à porta do Solar Berquó.  Resposta do Carlos Amorim “Eu não posso enfrentar os evangélicos. Se a prefeitura proibir, eu mando suspender”. 

Mas afinal quem manda na Bahia? Não existe na Constituição uma separação entre religião e estado? Será que voltamos a uma nova forma de Inquisição?

A autoridade só serve para tentar impressionar quem não faz parte da dita. Por isso é que o centro histórico de Salvador está no lamentável estado que envergonha todos os baianos.

Tem cabimento um empreendimento de iniciativa privada do porte do Glauber Rocha, não receber o mínimo respaldo da prefeitura e do Estado?
Afinal, é bom lembrar, que nunca os supostos responsáveis pelo centro histórico de Salvador conseguiram a façanha de atrair no azarado bairro, como faz este espaço cultural - quatro salas de cinema e duas livrarias - um público que varia mensalmente entre 18 mil e 28 mil espectadores. 

Bem mais que os orquestrados comícios, sermões e descarregos, cujos interesses não são exatamente o bem público ou a salvação das almas. 

A título de informação, os dois festivais programados neste final de ano – o Panorama e o Walter Lima – devem agregar mais de 10 mil participantes em pouco mais de duas semanas, incluindo uns 50 diretores de cinema, críticos e outros essenciais formadores de opinião como Violeta Bava, do Festival de Veneza e Miguel Valverde, do IndieLisboa. As Secretárias estaduais de Cultura e de Turismo, alguma vez, conseguiram tamanha adesão?

E tem mais: a cada evento, seja ele religioso ou profano, as pedras portuguesas - que o Exterminador do Futuro odeia e que o Iphan despreza (vide o Porto da Barra) – são retiradas para instalação de palanques, servindo então de armas para agredir terceiros, riscar carros e atirar contra as vitrines. 

                           

Outras perguntas se fazem necessárias.  Qual será a contrapartida, quando, com evidente facilidade, as inúmeras filmagens, os intermináveis “eventos” são autorizadas, cada vez resultando em facadas na qualidade de vida de soteropolitanos e turistas?

As produtoras pagam alguma taxa pelo uso do espaço público? No bairro de Santo Antônio, que sobrevive apesar da indiferença dos órgãos responsáveis, tornou-se uma tradição a rua Direita ou a Cruz do Pascoal serem monopolizadas por pesados caminhões, parafernálias de cabos e holofotes, monte de profissionais  que abocanham o espaço e desviam impiedosamente qualquer tentativa de transitar.
Nem os turistas escapam. Terão que carregar malas e mochilas até as pousadas.

Qual é a contrapartida? Uma imperdível divulgação do patrimônio material e humano soteropolitano? Já ouvimos a cantilena. Cansamos. O argumento não funciona mais.

As produções usam e abusam do patrimônio publico e nada retribuem.
Basta!
Queremos paz e direito a trabalhar, descansar e andar pelas ruas sem proibições de invasores.


   

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