domingo, 2 de setembro de 2012

CARTA DE UM BAIANO TRISTE

 




“Há seis anos fora do Brasil, tive agora a felicidade de voltar ao meu país e a tristeza de voltar à minha terra, a Bahia, mais precisamente à sua capital, a minha belíssima Salvador, onde nasci. Digo belíssima porque, mesmo degradada como hoje se encontra, mesmo inteiramente abandonada pelo poder público, não há incompetência ou desleixo ou desonestidade ou desfaçatez capaz de tornar feia a minha cidade natal.
Mas é difícil entender o que aconteceu a Salvador – e até à Bahia como um todo – neste período em que estive ausente. Por que a cidade ficou tão suja, tão engarrafada, tão insegura, tão empobrecida, tão injusta, tão violenta? Fiquei assustado, por exemplo, com a Avenida Paralela, com a especulação imobiliária e a degradação ambiental que se permitiu naquela área. No dia em que cheguei à cidade, levei duas horas e meia do aeroporto ao bairro de Nazaré. Procurei resquícios de mata atlântica que ainda havia por ali, no Parque de Pituaçu, e só pude ver prédios e mais prédios.
Entendi a cidade engarrafada quando percebi que ao longo desses últimos seis anos nenhuma nova obra foi feita no sistema viário da cidade, que, segundo soube, incorpora ao seu trânsito 60 mil novos carros por ano. De obra nova, só vi o estádio da Fonte Nova, que, tudo indica, vai ficar bonito. Mas, ao mesmo tempo, não consegui entender como essa triste Salvador que tenho visto nestes últimos dias terá condições de sediar um dos grupos da Copa do Mundo. Não tem qualquer estrutura para isso – nem hotelaria, nem serviços e muito menos o que a terminologia em moda chama de mobilidade urbana.
Na companhia da minha mulher, que é estrangeira, fui ao Pelourinho, do qual havia lhe falado maravilhas. Fui à noite, para jantar em um dos muitos bons restaurantes que eu achava que ainda havia por lá. O que eu procurava já tinha fechado há mais de dois anos. A área estava suja, escura, insegura e frequentada por usuários de crack. Não fiquei meia hora lá e confesso que quase chorei.
Para completar a triste impressão que a minha cidade me deixou, fui à praia com mulher e filhos. A orla de Salvador, é claro, continua bonita, mas não tem mais qualquer estrutura decente, seja para os moradores seja para os visitantes. Tive que ir ao litoral norte. Fui a Guarajuba e depois almocei na Praia do Forte. Somente aí minha mulher viu que eu não era de todo mentiroso.
Mais triste ainda fiquei ao ir visitar minha irmã, que está morando em Ibotirama, às margens do rio São Francisco, e perceber que o abandono não é só em Salvador, mas em todo o estado, no nosso interior seco, pobre, maltratado, sem trabalho, sem esperança, sem qualquer evidência da presença do poder público. É mesmo uma pena, uma tristeza o que está acontecendo com a nossa Bahia.”

Recebemos esta carta de um leitor que retornou ao país depois de uma ausência de seis anos. Trata-se de um médico que preferiu não se identificar – mas vale a pena refletir sobre suas observações.

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