sábado, 14 de maio de 2011

CARNAVAL, URGENTE

por Paulo Miguez

Prometi mais algumas palavras sobre New Orleans. Especialmente sobre o Mardi-Gras, o famoso carnaval novaorleanense. Vou ter que adiar o cumprimento da promessa. E por conta de um outro carnaval. O de Salvador.
Explico. Dia 15 deste mês, haverá eleições para a Mesa Diretora do Conselho Municipal do Carnaval e não posso deixar passar a oportunidade para dizer algumas coisas sobre isso.

O Conselho Municipal do Carnaval - COMCAR foi criado em 1990, no âmbito da Lei Orgânica do Município, com o objetivo de "definir critérios e regras de apresentação, seleção e composição dos participantes do Carnaval" e de "fiscalizar" a gestão da festa. Duas décadas depois de criado, o COMCAR
continua devendo, e muito, à comunidade carnavalesca, à cidade do Salvador.
Apesar de todas as transformações experimentadas pelo carnaval, o COMCAR foi incapaz de renovar!se. Mantém, entre os seus vinte e cinco membros, instituições que já não representam absolutamente nada no cenário da festa, a exemplo da Associação de Cronistas Carnavalescos - quem são e em que órgãos de
imprensa trabalham os tais cronistas? - da Federação dos Clubes Sociais da  Bahia - coisa do "tempo em que preto não entrava no Baiano Clube Baiano de Tênis, paraíso da velha aristocracia local, que morreu faz tempo nem pela porta da cozinha" e da Federação de Entidades Carnavalescas e Culturais da Bahia - entidade que representava antigos blocos e batucadas praticamente  já desaparecidos da festa. Em contrapartida, dente outros, deixa de fora a Fundação Gregório de Matos, órgão responsável pela política cultural do Município, e representantes dos carnavais de bairro.
Com tal composição, e ainda por cima sem poderes para impor decisões  que impliquem despesas já que depende, sempre, da vontade da Prefeitura em acatar ou não suas deliberações, tornou!se, assim, ao longo destas duas  décadas, refém da administração municipal. Pior ainda, tornou!se refém do mercado da festa.
Daí que nem delibere nem fiscalize, ou melhor, que só delibere e fiscalize em favor dos interesses dos grandes grupos empresariais que, controlando o Conselho, controlam os milionários negócios do carnaval.
Falta ao COMCAR, dentre outras coisas, transparência. Recusa!se, olimpicamente, a articular sua atuação e a discutir suas decisões com a sociedade. Instituições como a universidade não são chamadas a participar dos seus seminários e congressos, que não passam de mera fachada para decisões já sacramentadas pelos donos do mercado. Quando convidado a participar de debates, como foi o caso dos seminários promovidos pelo Conselho Estadual de Cultura em 2009, simplesmente não comparece.
Mas, claro, não podemos culpar exclusivamente o COMCAR pelo irresponsável descalabro com que conduz o carnaval baiano. Responsabilidade mesmo cabe é ao Poder Municipal, de quem depende inteiramente o Conselho. Responsável é a Prefeitura de Salvador que prefere atuar simplesmente como mais um ator do mercado carnavalesco, disputando patrocínios, e exime!se da obrigação constitucional de cuidar do carnaval como patrimônio cultural da cidade, fechando os olhos à necessária regulação das práticas mercantis com que os grandes grupos hegemonizam a festa.
Responsável, também, é o Governo Estadual. Este, afora as importantes ações da sua Secretaria de Cultura no carnaval, adota a confortável posição de que o carnaval é assunto do Município, faz de conta de que não tem voz e voto no COMCAR, aliás três votos, e deixa o barco correr. Paga, e muito ! pela segurança pública, por exemplo, item indispensável à festa ! e assim lava a alma e as mãos.
Não tenho esperanças de que a nova Mesa Diretora do COMCAR que sairá das eleições do próximo dia 15 de maio tenha força e coragem para alterar este quadro. Não vai mudar a ordem dos desfiles - que continuará submetida aos interesses do mercado e alheia à riqueza das manifestações artístico!culturais da festa. Não vai regular o mercado - que permanecerá  dominado pelos mesmos, os grandes blocos com seus múltiplos negócios.
Pra tanto, repito, não houve empenho nem da Prefeitura, nem do Governo do Estado. Pra tanto não tem querido atuar o Ministério Público, que assiste à depredação do patrimônio cultural da cidade sem uma ação que cobre dos governantes a responsabilidade que lhes cabe no assunto. A Momo, desgraçadamente, resta seguir sabendo que dentro e fora das fronteiras do seu efêmero território não há parceiros dispostos à festa. Só ao negócio.

Paulo Miguez é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Atualmente é professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA e coordena o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (UFBA). Foi assessor do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil e Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura entre 2003 e 2005.

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