quinta-feira, 14 de abril de 2011

Realengo, alguns dias depois

por  André Barcinski

Pensei em postar algo sobre a tragédia de Realengo no próprio dia, mas desisti.
Ainda não havia informações claras sobre o ocorrido.
Além do mais, no calor do momento, o que se poderia fazer a não ser lamentar?

Eu queria ver como nossos políticos iriam reagir ao crime.


Como era de se esperar, eles reagiram como sempre: empurraram os problemas reais para debaixo do tapete.

A primeira reação da Presidente Dilma foi dizer: “Não era característica do país ocorrer esse tipo de crime”.

Entendo que Dilma estava se referindo à forma como o crime ocorreu. De fato, não é comum por aqui.

Mas e a conseqüência do crime, não é comum por aqui?

Doze jovens mortos.  Um número assustador. Mais assustador ainda porque foram doze jovens mortos de uma vez, com requintes de sadismo.


Mas sabe quantas pessoas morrem por dia vítimas de armas de fogo no país?

Cento e dez. Quarenta mil por ano.

Ou seja: por dia, acontecem no Brasil nove massacres com igual número de vítimas.

A frase da presidente foi repetida muitas vezes nos últimos dias.

Vi inúmeras pessoas – políticos, especialistas em segurança pública e até cidadãos – comparando o episódio de Realengo ao crime de Columbine. “Isso é coisa dos Estados Unidos”, disse uma testemunha.


Parecia que o Brasil era um oásis de tranqüilidade, e que episódios assim eram exceção.

Como é que a gente quer solucionar um problema se nem nos damos ao trabalho de reconhecê-lo?

O crime de Realengo “parecia coisa de Estados Unidos”?

Na verdade, não. O número de mortos por arma de fogo no Brasil é mais do que o dobro dos Estados Unidos.

Aqui, para cada 100 mil habitantes, 21,72 morrem a tiro. Nos Estados Unidos, são 10,36.


O índice para adolescentes brasileiros é ainda maior: 71 mortes para cada 100 mil habitantes.

No ranking mundial, o Brasil só é mais seguro que a Venezuela, que tem um índice de 30 mortes a cada 100 mil habitantes.
O líder no ranking é o Japão, com 0,06. Ou seja: um brasileiro tem 362 vezes mais chance de ser morto a tiros que um japonês.

A conclusão: crimes assim são, sim, “característica do nosso país”.

Nas entrevistas, várias autoridades e especialistas disseram que a escola precisa identificar com mais rigor os casos de “bullying”, para tentar antecipar eventuais problemas.


Só pode ser brincadeira.

Vivemos num país onde mais de metade dos professores da rede pública de ensino fundamental ganha menos de 800 reais por mês.

Há décadas, nosso sistema educacional é sucateado pelo governo.

A pessoa que escolhe ser professor da rede pública sabe que vai receber um salário de fome. 

Conheço uma professora que largou a escola pública para trabalhar de faxineira. Ganhava o dobro.

O Ministério da Educação tem um orçamento anual de 65 bilhões. Mas as obras de infra-estrutura para a Copa do Mundo e as Olimpíadas devem custar o dobro, 135 bilhões de reais.

Faz algum sentido?

Faz sentido destruir o sistema de ensino no país e depois reclamar que a escola precisa identificar possíveis assassinos?

Faz sentido deixar 17 milhões de armas espalhadas pelo país (8,5 milhões delas ilegais) e depois ficar chocado quando um vizinho mata o outro numa discussão?

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