quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Perigosa é a Cultura

Você, realmente, deseja ser feliz? Jura? Então evite pensar. Aceite tudo o que o cotidiano lhe oferece sem fazer perguntas e muito menos questionar as suas escolhas. Trabalhe o máximo para comprar mais, levando assim a sociedade a também produzir mais. De onde ela tira tanta matéria prima não é de sua conta. Deus ou qualquer outra entidade abstrata de sua conveniência, milagrosamente bondosa, providenciará automáticas renovações de estoque. Somos mais de seis bilhões, boa parte esfomeada, num planeta que não deveria ter nem a metade. Problema seu? Claro que não é. Faça filhos, o suficiente para posar para fotografias de propaganda de bancos e supermercados. Colgate smile, please. Usar preservativos é crime que lhe levará direto ao inferno. Tirar feto da barriga de adolescente violentada ou doente terminal é abominável, digno de cadeira elétrica. Encarar o uso de drogas de outra forma que não seja hipocrisia carimbada é escandaloso. Melhor é deixar as coisas como estão, nem que custe a vida a garotos de subúrbio e talvez, um dia a seus próprios rebentos. Diga bem alto: o narcotráfico também dá emprego! Então, melhor deixar as coisas como estão. E você, convencido que o espírito de Renoir guia sua mão pela folha de papel gerando um constrangedor rabisco “a maneira de...” me diga uma coisa: porque nunca incorporou o espírito de algum artista coreano ou massai? Ou simplesmente de um pintor sem talento? Por que tinha que ser alguém cujas reproduções estão na rua, na vitrine da livraria? Por que não imitou a Pietá de Michelangelo ou não escreveu a Décima Sinfonia? Eu, quando morrer, serei uma linda borboleta. Tudo bem. Mas as borboletas têm vida curta. E depois: vai ser açougueiro, foca, puta ou sanguessuga? Melhor não pensar, amigo. Aproveite a vida como ela é, com dores nos calos, caipirinha na mão, os últimos dentes quebrando e evite o novo filme de Almodóvar para não duvidar dos paradigmas penosamente adquiridos. Ser feliz é falar amem, não fazer ondas e seguir em frente. E desconfiar da cultura, sempre. Ela é perigosa!

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