sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Salvemos Salvador, enquanto é tempo

Este texto não é recente, mas continua de atualidade...

O 460º aniversário de Salvador passou quase despercebido.
Realmente não há muito a comemorar.

Em 60 anos de “laissez-faire”, a cidade acumulou índices assustadores de compactação demográfica e veicular, concentração de pobreza, insegurança e destruição do meio ambiente, que apontam para seu colapso em curto prazo. A cidade possui hoje 4.172 habitantes por km², densidade superior à de Bombaim, segunda colocada. Para piorar, a urbe se transformou, por falta de política metropolitana, em dormitório e provedor das necessidades de 3,76 milhões de moradores da Grande Salvador. Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Filho e Candeias juntas faturam receita igual à de Salvador, transferindo para esta o passivo de serviços e infraestrutura.
Seu déficit habitacional é de 100 mil habitações, das quais 80% são de famílias fora do mercado imobiliário. Para satisfazer aos 10% dos candidatos com renda superior a cinco salários mínimos, o novo PDDU consentiu que o setor imobiliário devorasse as entranhas verdes da cidade, a orla e os bairros consolidados.

Cerca de 35 mil novos automóveis e o dobro de motos são licenciados a cada ano. O metrô de Salvador, cuja construção dura 6 anos, é dos mais caros do mundo. Terá 6 km , 6 trens e custará R$ 1,16 bilhão, se inaugurado em 2010. No Recife, o metrô foi construído em dois anos, tem 34,7 km , 25 trens, transporta 180 mil por dia e custou R$ 750 milhões, segundo H. Carballal (A TARDE, 23/3/09). Isto para não falar no impacto ambiental e déficit operacional.

As duas saídas rodoviárias da cidade, a Paralela e a BR-324, estão no limite e ainda se fala em construir uma ponte para Itaparica para trazer os caminhões da BR-101 para o nó do Iguatemi, em vez de construir um arco rodoviário. Isto quando Manhattan e cidades europeias cobram pedágios e proíbem a construção de novas garagens para evitar a entrada de mais carros. Em Salvador, alguns apartamentos centrais têm até seis vagas. Não há planejamento nem qualificação dos projetos públicos, que são oferecidos pelas empreiteiras interessadas, vide a ponte de Itaparica e o parque da Vila Brandão. A Sedham funciona como uma Defesa Civil, mais que um órgão de planejamento. As licitações são feitas em função do menor preço, ou seja, do pior projeto e menor tempo.

O desperdício é grande, viadutos são construídos e não servem para nada, as ruas são refeitas a cada inverno. O Pelourinho é recuperado todo ano. Os conjuntos habitacionais, sem serviços, são novas favelas, estão se desfazendo.

E vai-se implodir o parque olímpico da Fonte Nova, cujo laudo da Politécnica diz ser recuperável, para construir uma nova arena menor e um shopping, para dois dias de festa. O que acontecerá com a Copa, se chover, com a cidade alagada e parada como se viu há pouco? As questões ambientais têm o mérito de nivelar todos. Os condomínios fechados da Paralela foram invadidos por barbeiros, dengue, sapos, lagartos e cobras.

O senhor prefeito teve de mudar de casa e gabinete, mas prefere trocar postes cinzas por azuis do que rever um PDDU aprovado com 180 emendas de última hora. A classe média já não suporta os engarrafamentos e se tranca em torres e condomínios mistos de vida monástica, com celas, refeitório, oficinas, botica e orações televisivas no mesmo lugar. Considerada patrimônio da humanidade, Salvador mergulha hoje na mediocridade imobiliária. Fernando Peixoto lamentou a “paulistização” da cidade. Arilda Cardoso denuncia a perda de patrimônio histórico e verde.

Neilton Dórea constata: “Hoje, há uma arquitetura dependente... A maioria (dos arquitetos) é desenhador de uma vontade empresarial” (Muito, de 29/3).

Mas não devemos ser pessimistas. A sociedade civil se organiza em movimentos como “A Cidade Também é Nossa” e “Vozes da Cidade”, os ministérios públicos, federal e estadual, assumem o papel que lhes cabe. Não é desmatando, segregando e verticalizando que se vai resolver os problemas de Salvador, senão pensando grande e democraticamente, compreendendo que Salvador só tem saída na região metropolitana.

São estas questões que cidadãos, ricos e pobres, de Salvador querem discutir, antes que a cidade entre em colapso completo.

Paulo Ormindo de Azevedo - doutor pela Universidade de Roma, professor titular da Universidade Federal da Bahia e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil - Deptº Bahia

Um comentário:

  1. Realmente é lamentável ler esse balanço tão preciso da situação da cidade. Acrescente-se à lista a falta de educação dos cidadãos, que emporcalham as praias e ruas, bem como a falta de campanhas e ações para reduzir a sujeira.

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